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Grandes empresas querem se parecer mais com startups

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Numa manhã de janeiro de 2015, 12 500 funcionários do banco ING, o maior da Holanda, foram surpreendidos com a notícia de que seus empregos nunca mais seriam os mesmos. A diretoria do banco anunciou que decidira mudar o formato de trabalho nos escritórios corporativos. Quem desejasse permanecer na empresa teria seis semanas para se candidatar a posições recém-criadas.

Em vez de departamentos, os funcionários passaram a ser organizados em esquadrões, tribos e seções — cada profissional participa das três esferas. Equipes de até nove pessoas são organizadas em esquadrões, responsáveis por partes de um projeto. Conjuntos de esquadrões que trabalham num mesmo projeto reúnem-se em tribos — a dos seguros e a da hipoteca, por exemplo.

Os chefes das tribos garantem que haja sinergias entre cada esquadrão. As seções, por sua vez, reúnem todos da mesma expertise, como os cientistas de dados e os responsáveis pela jornada do consumidor. Os chefes das seções cuidam da gestão de desempenho dos times. Somente as áreas de risco, recursos humanos e financeira, numa primeira fase, permaneceram intactas — exigência da autoridade bancária europeia.

Nos dois anos seguintes, a empresa cortou 2 500 postos. No novo modelo, inspirado no jeito de trabalhar das startups e desenvolvedoras de software, camadas hierárquicas foram eliminadas. Processos internos tornaram-se mais simples. E, assim, passaram a envolver menos gente. “Decidimos nos tornar um banco multicanal e para isso precisamos entregar rapidamente todos os nossos produtos e serviços em todos os canais disponíveis aos clientes, mas o modelo antigo era burocrático e lento”, diz Payam Djavdan, há 20 anos funcionário do ING e, desde fevereiro, responsável global pelo modelo de operar e modo de trabalhar do banco, um dos novo.

O modelo do banco ING foi inspirado na empresa sueca de streaming de música Spotify, fundada em 2006, bem como na varejista americana Zappos, na Netflix e no Google. Aproximar o modus operandi de uma grande empresa ao de uma startup não é uma mudança trivial. No entanto, trata-se de um movimento cada vez mais frequente. Alguns dos adeptos, como o ING, incorporaram o modelo de maneira radical em quase toda a organização. O conglomerado industrial General Electric usou os mesmos conceitos para reduzir a burocracia e mudar a organização de projetos (veja reportagem na pág. 56). A maioria das empresas ainda limita o formato a poucos times ou aplicações pontuais. É o caso da fabricante de tratores John Deere, nos Estados Unidos, que aplica o conceito em áreas como desenvolvimento de novos negócios e marketing.

Todos seguem os princípios do conceito agile (ágil), que surgiu em 2001 nos Estados Unidos durante uma reunião entre 17 programadores e consultores de empresas de software. Os profissionais conversavam sobre as novas abordagens que estavam seguindo no desenvolvimento de programas de computador. Em comum, priorizavam a adaptação às mudanças das demandas que surgiam ao longo do trabalho, em vez de seguir um plano à risca. Preferiam interações dinâmicas entre indivíduos de diversas áreas a seguir etapas burocráticas do processo. Privilegiavam a colaboração com o cliente do que apenas entregar uma proposta pronta. Afinal, era mais importante ter um software funcionando rapidamente do que documentar cada detalhe de sua construção. Com o tempo, os mesmos princípios passaram a ser utilizados para projetos de naturezas diversas. A empresa de pesquisas Coleman Parkes entrevistou 1 770 executivos em 21 países, incluindo 76 brasileiros, a pedido da empresa de softwares CA Tech-nologies, em junho de 2016. Descobriu que 88% deles aplicam os métodos ágeis em algum nível, geralmente no desenvolvimento de sites e aplicativos. Mas 30% afirmaram usar o conceito além da TI, como nas áreas de marketing e vendas, e 6% disseram que o utilizam em toda a organização. Estes últimos, os usuários avançados, têm colhido resultados, em média, 33% superiores em 14 métricas, como aumento da satisfação do cliente, crescimento de novos negócios e maior velocidade de entrega. Uma pesquisa da consultoria PwC com 2 216 executivos em todo o mundo publicada neste ano mostra que, entre as companhias com melhor resultado — nesse caso, aquelas com crescimento nas receitas e no lucro nos últimos três anos e com a perspectiva de repetir o desempenho nos próximos três —, 22% dos respondentes usam metodologias ágeis para a maioria dos projetos não relacionados à tecnologia. Entre as outras companhias, apenas 7% usam. Em linhas gerais, a consequência é a tomada de decisões mais rápidas ao envolver times multidisciplinares com metas e resultados acompanhados diariamente por todos.

O coração do agile é o método scrum — criado em 1993 pelos programadores americanos Jeff Sutherland e Ken Schwaber, dois dos 17 executivos presentes na tal reunião. A inspiração para o termo veio do esporte. No rúgbi, scrum é a tática de reunir jogadores em três linhas paralelas formando uma barreira e se movendo todos ao mesmo tempo para conseguir tomar a bola do time adversário. Nas empresas, scrum significa ter vários times pequenos, de três a nove pessoas, trabalhando simultaneamente. Cada um deles se dedica em tempo integral a uma parte de um grande projeto. As equipes — que no jargão da metodologia são chamadas de esquadrões — devem ser multidisciplinares, com todas as habilidades para construir algo relevante do início ao fim e entregá-lo em curto prazo. Esse prazo, denominado de sprint, leva de uma a quatro semanas. Os membros do time decidem quem vai fazer o quê e pensam nas prioridades. Cabe ao líder, o dono do produto — que não necessariamente tem uma posição hierárquica superior —, dar a palavra final. Uma terceira figura, o scrum master, elimina barreiras que estejam atrapalhando o time e procura formas de trabalhar mais rapidamente.

Se essas metodologias já são usadas há anos entre os profissionais de TI, por que só mais recentemente começam a ganhar adeptos em outras áreas das empresas? “Historicamente, as condições dos mercados nunca mudaram tão rápido como hoje em dia”, diz o jornalista JJ Sutherland, coautor do livro Scrum: A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade- do Tempo, publicado em 2014, e diretor da Scrum Inc., consultoria fundada e presidida por seu pai, Jeff Sutherland. “Imagine que sua empresa está construindo o BlackBerry e de repente lançam o iPhone. Você deve continuar seguindo seu planejamento à risca?”, diz. “A BlackBerry e a Nokia tinham funcionários inteligentes, mas que trabalhavam de maneira incapaz de responder ao ritmo da transformação.”

Além da forma de organizar os times, a maior diferença entre o scrum e o modelo tradicional, conhecido como cascata, é o planejamento. O primeiro passo do scrum é fazer um esboço do que se deseja no resultado final. Planeja-se à medida que se executa. No modelo tradicional, todos os detalhes e as fases do projeto são planejados — e só então, com o plano pronto, inicia-se a execução. Uma equipe começa suas tarefas depois que a outra termina. Essa “passada de bastão” costuma deixar o processo lento e, quando emperra em algum momento, ninguém tem a visão do todo para saber onde está o gargalo. Além disso, as pessoas costumam trabalhar em vários projetos paralelamente, distribuindo seu tempo entre diferentes temas. No recém-lançado Time, Talent, Energy: Overcome Organizational Drag and Unleash Your Team’s Productive Power (“Tempo, talento, energia: como superar o arrastar organizacional e desencadear o poder produtivo de sua equipe”, numa tradução livre), Michael Mankins e Eric Garton, da consultoria Bain&Company, revelam os prejuízos desse modelo. Num levantamento realizado com 300 executivos de grandes empresas globais, os autores concluíram que as companhias perdem mais de 25% da capacidade produtiva com a burocracia. “Ser multitarefa é exaustivo e contraproducente”, afirmam os consultores no livro. Um estudo da Microsoft descobriu que as pessoas levam, em média, 15 minutos para retornar a um projeto importante depois da interrupção de um e-mail. Entre as dicas que Mankins e Garton dão está a redução de reuniões a zero para então analisar quantas e com qual frequência são necessárias, quanto tempo devem demorar e aqueles cuja presença é imprescindível. Segundo eles, a adoção de princípios ágeis ajuda a reduzir o estresse dos profissionais. Com times multidisciplinares em vez de funcionários multifuncionais, foco na menor quantidade de atividades críticas e ajustes na lista de prioridades cada vez que novas tarefas surgem, a produtividade aumenta.

O reflexo disso é mensurável. No caso da farmacêutica brasileira Aché, um projeto piloto do uso de scrum na transferência de tecnologia de uma fábrica resultou num ganho de 40% de eficiência. Após a aquisição da farmacêutica Nortis em abril de 2016, a Aché precisava modernizar a fábrica em Londrina, no Paraná, para começar a produzir outro tipo de antibiótico. O prazo dado pelo presidente da companhia havia sido 11 meses. “Sabíamos que, com as metodologias que já usávamos, demoraria 18 meses para a conclusão — quatro meses somente para o planejamento”, diz Gabriela Mallmann, diretora de projetos, qualidade e assuntos regulatórios. “Decidimos arriscar o scrum.” Deu certo. Em menos de um mês o esboço do planejamento estava pronto e foi possível entregar o projeto total dentro do prazo. Assim, o time antecipou sete meses de receita para a companhia. “O scrum cria também uma competição sadia porque o impacto do atraso é imediato e visível”, diz Mallmann. “No modelo tradicional, o erro fica mais escondido e, às vezes, demora a ser percebido.” Outra vantagem observada foi um maior engajamento da equipe. As reuniões tiveram 100% de adesão, ante 80% no modelo antigo. Com o sucesso do piloto, a companhia testa a metodologia em mais três de um total de dez projetos de lançamentos de produtos — categoria cada vez mais importante para a Aché. Da receita líquida de 2,7 bilhões de reais em 2016, 27% vieram da venda de produtos lançados nos cinco anos anteriores. Em 2009, essa taxa era de 15%.

Parece caótico, mas não é

Planejar com pouca antecedência e à medida que se executa pode soar caótico. Mas há uma série de rotinas para organizar o trabalho. O banco Itaú segue algumas delas à risca. A diretoria de negócios digitais, relacionamento com o cliente e experiência do usuário introduziu os métodos ágeis em 2014. Hoje tem 1 000 funcionários organizados em células de dez a 20 cada uma — sua maneira de denominar os esquadrões. Todas as manhãs, cada time faz uma reunião em pé, por não mais de 15 minutos, para checar o andamento do trabalho. Um quadro dividido em três colunas — o que está “a fazer”, o que está “sendo feito” e o que está “pronto” — é preenchido com post-its. As tarefas são descritas em cartões de cores diferentes, simbolizando cada um dos membros do time. O dono do produto coordena a reunião e pergunta a todos o que fizeram no dia anterior, o que farão hoje e em que precisam de ajuda. “É alguém que deve ter uma visão geral do negócio e fazer com que os clientes amem o produto”, diz Livia Chanes, diretora de negócios digitais, relacionamento com o cliente e experiência do usuário do Itaú. O produto pode ser um dos aplicativos do banco ou um pedaço do site, por exemplo. No caso do Itaú, Livia e sua equipe decidiram criar um par para o dono do produto, o “líder técnico”, responsável por garantir as ferramentas tecnológicas e os treinamentos. Alguns scrum masters atuam como consultores entre as células para remover barreiras e desperdícios ao longo dos processos e garantir a melhoria contínua do formato de trabalho. Os times são multidisciplinares, com funcionários de diferentes níveis hierárquicos e formações. Engenheiros, matemáticos, advogados, designers, economistas, antropólogos, programadores. “As pessoas precisam ser analíticas, ter uma visão de negócios e também noção de tecnologia, interessar-se por tendências e inovação”, afirma Livia. “E muito importante: não ser apegadas à hierarquia para que possam trabalhar de maneira colaborativa.” Numa grande reunião que consome uma manhã por semana, ela e os diretores de marketing, tecnologia e vendas digitais checam o andamento dos trabalhos e pensam em possíveis trocas e sinergias entre as células. A cada 15 dias, uma novidade é colocada no mercado. Pode ser um produto complexo, como um novo aplicativo. Ou algo mais simples de ser desenvolvido, como a troca da posição de um menu no site, de horizontal para vertical.

Priorizar é preciso

Saber priorizar é imprescindível diante do compromisso de entregar algo novo a cada sprint (prazo de uma a quatro semanas) e com novas demandas surgindo de tempos em tempos. Os criadores do scrum sugerem estabelecer um sistema de pontuação para categorizar as demandas de acordo com o tamanho delas, combinando fatores como valor do retorno, nível de dificuldade e tempo de execução. Na operadora de telefonia, internet e TV por assinatura Telefônica Vivo, os seis esquadrões em funcionamento priorizam as atividades que trazem maiores retornos em melhoria de experiência do cliente e resultado financeiro para o negócio. Há pouco mais de um ano, antes de a companhia adotar o scrum, as áreas de marketing e de call center tinham problemas que poderiam ser resolvidos com a mesma solução. Mas as equipes não se comunicavam e cada uma tocava seus projetos — todos dependendo do trabalho de uma terceira área, a de TI. No call center, 80% dos telefonemas de clientes eram motivados por falhas na internet ou na TV a cabo. O marketing, por sua vez, procurava uma forma de resolver o problema de imagem por causa das falhas no atendimento. A companhia montou um esquadrão de dez funcionários de vários níveis, de analista a gerente sênior, e assim reuniu as pendências das duas áreas. O time mapeou as causas mais comuns das falhas e suas soluções. Criou uma nova funcionalidade no aplicativo de atendimento com orientações para o cliente tentar resolvê-las sozinhas e, se não conseguir, agendar um técnico. O novo atributo foi lançado em junho para o Brasil inteiro — não sem antes ser testado por grupos de clientes em 20 cidades. O novo formato de trabalho permitiu a entrega dos projetos em menos da metade do tempo que levaria no modelo tradicional. “Faz parte da nossa transformação digital repensar a maneira como trabalhamos”, diz Ricardo Sanfelice, vice-presidente de estratégia digital e inovação da Telefônica Vivo. Antes de optar pelo novo formato, um comitê da Vivo visitou o Google e o Facebook, além de pequenas startups de tecnologia, bem como o Itaú e o Magazine Luiza. A empresa treinou 550 funcionários para atuar como “evangelizadores”, instruindo os colegas no dia a dia.

A tendência é que, conforme uma aplicação da metodologia se desenvolva, outras áreas passem a adotá-la. É o caso da varejista de eletroeletrônicos Magazine Luiza. Em 2012, uma área com sete pessoas foi montada num escritório à parte, o Luizalabs, para criar novos canais de atendimento ao cliente. Desde o início, o sistema de trabalho seguiu os princípios do agile. Em janeiro deste ano, o Luizalabs incorporou a área de TI, responsável por prestar serviços para todos os departamentos da companhia. Hoje tem 380 funcionários, divididos em 46 esquadrões, com quatro a 12 pessoas. No momento, uma equipe com desenvolvedores e especialistas em tributação trabalha em busca de benefícios fiscais. O objetivo é sinalizar quais produtos são mais vantajosos de vender em cada estado, de acordo com os impostos cobrados. Como o Itaú e o Aché, o Magazine Luiza usa scrum à sua maneira. “Não nos apegamos a processos, regras e jargões, mas ao conceito que preconiza adaptar rapidamente a estratégia ao que o negócio e os clientes precisam”, diz André Fatala, diretor de tecnologia do Magazine Luiza. Cinco agile coaches são responsáveis por selecionar quais metodologias serão usadas pelos times. “É como se fosse um monte de startups, uma que cuida de pagamentos, outra de market place, e por aí vai”, diz Fatala. “A característica mais importante do agile é incentivar as pessoas a ser flexíveis e abertas a mudanças”, diz Francisco Dal Fabbro, vice-presidente para a América Latina da área de agile da CA Techno-logies, consultoria de software e agile.

Os métodos ágeis, porém, não são uma panaceia. Suas- ferramentas são eficazes e fáceis de implementar quando os problemas a ser resolvidos são complexos, voláteis, incertos e ambíguos, como no caso do desenvolvimento de produto, projetos de marketing, planejamentos estratégicos, desafios de logística e demandas que necessitam do feedback de clientes. De acordo com Hirotaka Takeuchi, professor de estratégia na Faculdade de Negócios da Universidade Harvard, num artigo de coautoria do consultor da Bain&Company Darrell Rigby e do cocriador do scrum Jeff Sutherland, é menos comum usar essas ferramentas em trabalhos previsíveis, estáveis, sequenciais ou repetitivos, como em compras, manutenção, contabilidade, visitas a fornecedores e na avaliação de desempenho de funcionários, por exemplo. Para situações nas quais a metodologia funciona, um impedimento é o excesso de jargões. A fabricante de tratores Jonh Deere, fundada nos Estados Unidos há quase 150 anos e dona de um faturamento de 28 bilhões de dólares, resolveu a barreira contratando técnicos de agile especializados em ensinar o método despido dos termos ligados ao desenvolvimento de softwares. Desde 2004, a companhia utiliza o conceito agile em sua área de TI. A partir de 2012, passou a adotar também na unidade de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Desde então, alguns projetos chegam a ser entregues em prazos 75% mais curtos. Uma nova máquina que demoraria cerca de 18 meses para ficar pronta foi concluída em três meses. Mesmo assim, nem todos os departamentos da companhia nem a subsidiária no Brasil usam agile. Artigos sobre o uso das técnicas e os princípios ágeis publicados semanalmente no site interno da John Deere ajudam a conquistar novos fiéis. O grupo de discussão sobre o tema na rede social interna corporativa tem a adesão de centenas de funcionários, criando, assim, uma massa crítica que ajuda a tornar a implementação menos conturbada e a divulgar, mais do que a técnica, a cultura ágil. Afinal, quem não deseja trabalhar menos tempo entregando mais? Ganham todos — empresa, funcionários e clientes.

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