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Em Oxford, na década de 50, havia uma médica fantástica, muito notável, chamada Alice Stewart. E Alice era notável em parte porque, claro, era mulher, o que era muito raro nos anos 50. E era brilhante, na época era uma das colegas mais jovens a ser escolhida para a Faculdade Real dos Médicos. Ela também era notável porque continuou a trabalhar depois de ter se casado, depois de ter tido filhos. e até mesmo depois de ter se divorciado e ser mãe solteira, continuou seu trabalho na medicina.

E era notável porque se interessava muito por uma ciência nova, o campo emergente da epidemiologia, o estudo de padrões na doença. Mas como todo cientista, ela reconhecia que para deixar sua marca, o que precisava fazer era encontrar um problema difícil e resolvê-lo. O problema difícil que Alice escolheu foi a incidência crescente de câncer infantil. Muitas doenças têm relação com a pobreza, mas no caso do câncer infantil, as crianças que estavam morrendo pareciam proceder principalmente de famílias ricas. Então, o que ela queria saber poderia explicar essa anomalia.

Mas Alice tinha problemas para obter financiamento para sua pesquisa. Por fim, ela conseguiu apenas 1.000 libras do prêmio Memorial de Lady Tata. E isso significava que ela sabia que tinha apenas uma tentativa para coletar seus dados. Mas ela não tinha ideia do que procurar. Isto era, na verdade, como procurar agulha num palheiro, então ela perguntava tudo o que podia imaginar. As crianças tinham comido doces cozidos? Tinham consumido bebidas com corantes? Elas comiam peixe com batatas fritas? Elas tinham saneamento básico? Em que época tinham começado a ir à escola?

E quando seus questionários com cópia em carbono começaram a voltar, uma coisa e só uma coisa saltava à vista com uma clareza estatística com a qual muitos cientistas podem apenas sonhar. Numa relação de dois para um, as crianças que tinham morrido tiveram mães submetidas à raios-X enquanto grávidas. Mas essa descoberta afetou a sabedoria convencional. A sabedoria convencional sustentava que tudo era seguro até um certo ponto, um limite. Isso afetou a sabedoria convencional, que tinha grande entusiasmo pela nova e perfeita tecnologia daquela época, que era o aparelho de raios-X. E afetou a ideia que os médicos tinham de si mesmos, que era a de pessoas que ajudavam pacientes, e não os causavam nenhum mal.

Contudo, Alice Stewart correu para publicar suas descobertas preliminares no The Lancet em 1956. As pessoas ficaram muito entusiasmadas, havia rumores sobre o Prêmio Nobel e Alice estava mesmo com muita pressa de tentar estudar todos os casos de câncer infantil que ela podia encontrar antes que eles desaparecessem. Na verdade, ela não precisava ter corrido. 25 anos inteiros se passaram até que as autoridades britânicas, britânicas e americanas abandonassem a prática de submeter mulheres grávidas ao raio-X. Os dados estavam lá, estavam abertos, foram disponibilizados livremente, mas ninguém queria saber. Uma criança por semana estava morrendo, mas nada mudava. A abertura por si só não leva a mudanças.

Assim, por 25 anos Alice Stewart teve uma luta muito grande em suas mãos. E como ela sabia que estava certa? Bem, ela tinha um modelo fantástico para reflexão. Ela trabalhava com um estatístico chamado George Kneale, e George era certamente tudo o que Alice não era. Alice era muito extrovertida e sociável, e George era um solitário. Alice era muito calorosa, muito empática com seus pacientes, George preferia sinceramente números em vez de pessoas. Mas ele disse uma coisa fantástica sobre sua relação profissional.

Ele disse, “Meu trabalho é provar que Dr. Stewart está errada.” Ele procurava essa negação de forma efetiva. Formas diferentes de olhar para os modelos dela, suas estatísticas, formas diferentes de desmembrar os dados a fim de provar o seu erro. Ele via seu trabalho como a criação de conflitos em torno das teorias dela. Porque era só não sendo capaz de provar que ela estava errada, que George podia dar a Alice a confiança que ela precisava para saber que ela estava certa.

É um fantástico modelo de colaboração — parceiros pensantes que não são câmaras de eco. Imagino quantos de nós temos, ou ousamos ter, tais colaboradores. Alice e George eram muito bons nos conflitos. Eles a viam como uma reflexão.

Então o que esse tipo de conflito construtivo precisa? Bem, em primeiro lugar, ele precisa que encontremos pessoas que são muito diferentes de nós mesmos. Isso significa que temos que resistir à força neurobiológica, que significa que temos preferência principalmente por pessoas iguais a nós mesmos, e isso significa que temos que buscar pessoas com conhecimentos diferentes, disciplinas diferentes, diferentes formas de pensar e experiência diferente, e encontrar maneiras de unir-se a elas. Isso exige muita paciência e muita energia.

E quanto mais eu penso nisso, mais eu acho, realmente, que isso é um tipo de amor. Porque você não vai simplesmente disponibilizar esse tipo de energia e tempo se você realmente não se importa. E isso também significa que temos que estar preparados para mudar de ideia. A filha de Alice me contou que toda vez que Alice ficava frente-a-frente com um colega cientista, ele a fazia pensar e pensar e pensar outra vez. “Minha mãe,” ela disse, “Minha mãe não gostava de uma briga, mas era muito boa nisso.”

Então, uma coisa é fazer isso numa relação um-a-um. Mas me ocorre que os maiores problemas que enfrentamos, muitos dos maiores desastres que enfrentamos, não surgem principalmente de indivíduos, eles surgem de organizações, algumas delas maiores que países, muitas delas capazes de afetar centenas, milhares, até mesmo milhões de vidas. Então como as organizações pensam? Bem, na maior parte das vezes, não o fazem. E isso não é porque não querem, é porque não podem mesmo. E não podem porque as pessoas que dentro delas têm medo demais de conflitos.

Em pesquisas com executivos europeus e americanos, 85% deles admitiam que tinham questões ou preocupações no trabalho que tinham medo de levantar. Medo do conflito que aquilo poderia provocar, medo de enveredar por discussões com as quais não sabiam como administrar, e sentiam que estavam certos de perder. Oitenta e cinco por cento é um número grande mesmo.

Significa que as organizações principalmente não podem fazer o que George e Alice fizeram de modo triunfante. Elas não podem pensar juntas. E isso significa que as pessoas como muitos de nós, que dirigem organizações, e saíram do caminho para tentar achar as melhores pessoas que podem, falham principalmente em conseguir o seu melhor.

Então como desenvolvemos as habilidades que precisamos? Porque também é preciso habilidade e prática. Se não iremos ter medo do conflito, temos que vê-lo como uma reflexão, e então temos que ficar muito bons nisso. Assim, recentemente eu trabalhei com um executivo chamado Joe, e Joe trabalhava para uma empresa de equipamentos médicos. E Joe estava muito preocupado com o aparelho com o qual estava trabalhando, Ele achava que ele era complicado demais e achava que sua complexidade criava margens de erro que podia machucar as pessoas. Ele tinha medo de prejudicar os pacientes que tentava ajudar.

Mas quando ele olhou em torno de sua organização, ninguém mais parecia preocupado. Então, ele não quis falar nada. Afinal, talvez eles soubessem de algo que ele não sabia. Talvez ele parecesse tolo. Mas ele continuou se preocupando com aquilo, e se preocupava tanto que chegou ao ponto de pensar que a única coisa que poderia fazer era deixar o emprego que amava.

No final, Joe e eu achamos uma maneira de ele levantar suas questões. E o que aconteceu depois é o que quase sempre acontece nessa situação. Acabou que todos tinham exatamente as mesmas questões e dúvidas. Então Joe tinha aliados. Eles podiam pensar juntos. E sim, havia muito conflito e debate e discussão, mas isso permitia com que todos em volta da mesa fossem criativos, resolvessem o problema, e modificassem o aparelho.

Joe era o que muitos podiam imaginar ser um informante, exceto que, como quase todos os informantes, ele não era excêntrico de modo algum, ele era apaixonadamente devotado à organização e aos mais altos objetivos que aquela organização servia. Mas ele tinha tido tanto medo do conflito, que no final passou a ter mais medo do silêncio. E quando ele ousou falar, descobriu que havia muito mais dentro de si mesmo e muito mais para dar ao sistema do que ele jamais imaginara. E seus colegas não acham que ele é excêntrico. Eles acham que ele é um líder.

Assim, como temos essas conversas mais facilmente e mais frequentemente? Bem, a Universidade de Delft exige que seus doutorandos tenham que apresentar cinco declarações que estejam preparados para contestar. Não importa sobre o que são as declarações, o que importa é que os candidatos estejam querendo e sejam capazes de afrontar a autoridade. Acho que é um sistema fantástico, mas deixá-lo para os candidatos a doutoramento são muito poucas pessoas e tarde demais na vida. Acho que precisamos ensinar essas habilidades para crianças e adultos em todos os estágios de seu desenvolvimento, se quisermos ter organizações pensantes e uma sociedade pensante.

O fato é que a maioria das grandes catástrofes que temos testemunhado raramente vêm de informação secreta ou oculta. Vêm de informação que é disponibilizada livremente por aí afora, mas que evitamos encarar, porque não podemos enfrentar, não queremos enfrentar, o conflito que isso causa, Mas quando ousamos quebrar esse silêncio, ou quando ousamos enxergar, e criamos conflito, possibilitamos a nós e às pessoas à nossa volta fazer nossas maiores reflexões.

A informação aberta é ótima, redes abertas são essenciais. Mas a verdade não nos libertará até que tenhamos desenvolvido as habilidades e o hábito e o talento e a coragem moral para usá-la. A abertura não é o fim. É o começo.

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